CRIMES DE SONEGAÇÃO FISCAL E PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO: ABSOLUTA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA? REFLEXÕES INICIAIS
O artigo 1º, incisos I a V da lei 8.137/90 tipifica as condutas praticadas por particulares contra a ordem tributária, onde parte da doutrina classifica-as como “crimes de sonegação fiscal em sentido próprio”.
Sem entrar em maior discussão doutrinária, as condutas típicas previstas no artigo 1º da lei 8.137/90 são classificadas como de natureza material, ou seja, exigem a produção do resultado “supressão ou redução do tributo” para tipificação.
É necessário dizer que a lei em comento define os crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo, constituindo espécie do gênero Direito Penal Econômico, o qual possui como uma das suas características próprias, o socorro às normas penais em branco com complemento em fonte normativa diversa.
Por consequência, os crimes contra a ordem tributária previstos na lei 8.137/90 tipificam condutas repletas de conceitos operacionais com significados oriundos do Direito Tributário ( exemplo, o lançamento tributário).
Aliás, facilmente se percebe que não ocorre qualquer distinção entre o ilícito tributário e o ilícito penal tributário, conquanto representam, igualmente, violações da mesma qualidade de bens jurídicos tutelados. A necessidade da tipificação penal se dá por questões da gravidade de ofensa e por razão de política criminal.
Por esta razão, a doutrina e jurisprudência majoritárias entendem haver nítida interdependência entre as esferas tributária e penal tributária, eis que o procedimento administrativo tributário exerce influência determinante na tipificação de condutas contra a ordem tributária.
Ao estudarmos esse assunto é bem comum encontramos na doutrina citações do tipo “(…) todo ilícito penal tributário (crimes fiscais) pressupõe a prática de um ilícito administrativo tributário (formal ou material), embora a recíproca não seja verdadeira(…)”( Alexandre Macedo Tavares em A decadência como causa impeditiva da pretensão punitiva estatal pela prática de um ilícito penal tributário. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 158, p. 7-12., nov. 2008).
É evidente também que a Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal ao tentar disciplinar a relação do Direito Penal ao Processo Administrativo Tributário “embarcou” na tese da dependência e firmou o entendimento que “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”
Na ocasião da edição da súmula em questão, o Supremo Tribunal Federal utilizou como precedente jurisprudencial o entendimento que “(…) o tipo penal só estará plenamente integrado e perfeito à data em que surge, no mundo jurídico, tributo devido, ou obrigação tributária exigível. Antes disso, não está configurado o tipo penal, e, não o estando, evidentemente não se pode instaurar por conta dele, à falta de justa causa, nenhuma ação penal.” (HC 81611, Voto do Ministro Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgamento em 10.12.2003, DJ de 13.5.2005).
A relação de dependência reconhecida entre o Direito Tributário e o Direito Penal Tributário foi de tamanha grandeza a ponto da doutrina classificar a natureza jurídica do instituto do lançamento tributário para fins penais como sendo uma CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE. Aliás, há uma respeitosa corrente doutrinária (Cezar Roberto Bitencourt), a qual entende tratar-se de um próprio elemento normativo do tipo.
Entretanto, verificamos que na hipótese da PRESCRIÇÃO TRIBUTÁRIA, a relação de dependência entre as esferas processual tributária e penal tributária, estranhamente, torna-se relativa!
Vejamos que o art. 142 do Código Tributário Nacional, define o procedimento do lançamento tributário desta maneira: “Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.”
Em linhas gerais, por meio da lei, a hipótese de incidência descreve em que circunstâncias o tributo é devido e, uma vez concretizada a ocorrência do fato gerador, nasce a obrigação tributária em favor do Estado. Ocorre que a obrigação tributária, por si só, não vincula o contribuinte ao pagamento do tributo, quando, tão somente após a ocorrência do lançamento certo, líquido e exigível – competência privativa da autoridade administrativa – estará o crédito tributário constituído em face do contribuinte ou responsável tributário.
É sabido também que uma vez constituído o crédito tributário por meio do lançamento eficaz, somente a lei poderá criar hipóteses de modificação, extinção, exclusão, ou ainda a suspensão de sua exigibilidade (artigos 156 a 174 do Código Tributário Nacional). Por conseguinte, em função do princípio da legalidade e do interesse público, jamais a autoridade administrativa poderá dispensar o pagamento da obrigação sob pena de responsabilidade funcional e penal.
Entra em cena a personagem prescrição tributária!
Hugo de Brito Machado (Curso de Direito Tributário. 17ª edição. Malheiros. P.165) definiu que “Na Teoria Geral do Direito a prescrição é a morte da ação que tutela o direito, pelo decurso do tempo previsto em lei para esse fim. O direito sobrevive, mas sem proteção. Distingue-se neste ponto, da decadência, que atinge o próprio direito”.
Nada mais é que a perda do direito-dever da Administração Pública de ajuizar a ação de execução do crédito tributário dentro do prazo legal de 05 (cinco) anos.
Aqui nasce a necessidade de reflexão.
O Supremo Tribunal Federal, no exame do Habeas Corpus nº 116.152/PE, tendo como Relator o Ministro Ricardo Lewandowski (DJE de 7/5/2013) decidiu “esquentar o assunto” porque ali teria decidido que “(…)Constituído definitivamente o crédito tributário, incidem, em sua plenitude, as normas penal e tributária, o que bem retrata a independência de ambas as esferas. Isso significa que, à pretensão de execução fiscal, existe o prazo prescricional de 05 (cinco) anos, previsto no art. 174 do Código Tributário Nacional, e, à conduta considerada criminosa, o prazo de prescrição é regulado pelo Código Penal. Acatar a tese da Defesa implica admitir que todos os crimes contra a ordem tributária sejam regidos pelo mesmo prazo prescricional de 05 (cinco) anos (art. 174, CTN), olvidando por completo as particularidades da conduta em face das quais o Direito Penal prescreve diferentes sanções, desde a cominação da reprimenda, perpassando pelo regime de pena e, até mesmo, pelo tempo a reger a persecução penal. (…)” (Grifei)
Para o mesmo crédito tributário estariam concorrendo dois prazos prescricionais? Implicitamente, estaria aqui o Supremo Tribunal Federal legitimando indiretamente o Estado a se utilizar do Direito Penal cobrar divida civil prescrita? Aqui não traremos a resposta! Com esta decisão não pretendemos concluir este post, mas, tão somente, dar um pontapé inicial para apresentar uma dentre várias outras questões interessantes na reflexão das peculiaridades do Direito Penal Tributário perante o Direito Penal Clássico.
Em breve, conversaremos mais sobre este assunto. Aguardamos o seu comentário e participação!