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Sonegação tributária e o grave dano à coletividade

Sonegação tributária e o grave dano à coletividade

Em se tratando de crimes contra a ordem tributária – em especial alusão àqueles descritos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90 – é assunto de rico debate a agravante prevista no art. 12, inciso I, a qual dispõe que “São circunstâncias que podem agravar de 1/3 (um terço) até a metade as penas previstas nos arts. 1°, 2° e 4° a 7°: I – ocasionar grave dano à coletividade;”

Em outras linhas, se o agente praticar qualquer das condutas previstas no art. 1º e 2º da Lei 8.137/90 e, em decorrência desta prática, vier a suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, poderá ter uma pena agravada, desde que esta sonegação ocasione “grave dano à coletividade”.

Parece bem evidente que a pretensão do legislador foi punir com maior rigor condutas com incomum potencial de lesividade ao sistema tributário nacional.

Contudo, as grandes questões que se colocam são essas: No que consiste o tal “grave dano à coletividade” capaz de permitir a aplicação deste artigo?  Qual a definição de “grave dano à coletividade”? Qual o valor de referência a ser considerado para fazer incidir a causa de aumento de pena?

A lei nada esclarece!

Particularmente, acreditamos que a expressão “grave dano à coletividade” é vaga e imprecisa por demais. Por tal razão nos filiamos à corrente doutrinária defendida por ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR e FÁBIO D. DE ALMEIDA DELMANTO, onde os quais entendem que a referida causa de aumento de pena é totalmente descabida “(…)posto que não se está observando o princípio da reserva legal previsto no art. 5º, XXXIX, da CR”, inclusive, “não se sabe, ao certo, o que se deve entender por ‘grave dano à coletividade’, fato que coloca em risco a necessária segurança jurídica. Em que pese o entendimento da jurisprudência no sentido de que, em determinadas situações … o agravamento da pena se justifica, mantemos o nosso entendimento de que o inciso I do art. 12 da lei 8.317/90 fere a Constituição da República.” (Leis Penais Especiais Comentadas, 2006, Renovar: Rio de Janeiro, pp. 364/365).

Uma corrente da jurisprudência vem se utilizando da portaria expedida pela PGFN 320/08, a qual define os GRANDES DEVEDORES para interpretar a aplicação da agravante de pena. O raciocínio é simples – grandes dívidas causam grandes (e graves!) danos à coletividade.  Ali ficou definido (artigo 2º, I) que grandes dívidas ( ou grandes devedores) correspondem a valores iguais ou superiores a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) de tributos não recolhidos.

Entretanto, tal entendimento vem sendo confrontado com o artigo 14 da mesma portaria, o qual, além de definir “grandes devedores”, determina tratamento prioritário aos ajuizados com valor da causa igual ou superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). A interpretação é a seguinte: se as cobranças de dívidas tributárias deste vulto são prioritárias é porque pressupõe a ocorrência de grave dano à coletividade. ( STJ.AgRg no REsp 1282542; DJe: 28/08/2014).

Mas afinal, quem são os grandes devedores? São aqueles do art. 2, I ou aqueles do art. 14 da Portaria 320/08 da PGFN? Quais são os valores sonegados e “presumidos” para a ocorrência de grave dano à coletividade? É aquele do art. 2º, I (dez milhões) ou aquele do art. 14 ( um milhão) daquela portaria?

Ainda que adotado qualquer um destes dois valores de referência, certa corrente jurisprudencial tem “ajudado” a interpretar a aplicação da causa de aumento de pena no caso da seguinte maneira: “Para análise da majorante do grave dano à coletividade, não se deve considerar apenas o valor final do montante de tributo suprimido/reduzido, pois ocorre a incidência de pesadas multas, que elevam a obrigação para valor muito superior àquele efetivamente resultante das fraudes praticadas.” (TJRS. ACR 70045590817. Quarta Câmara Criminal. Rel. Gaspar Marques Batista. Diário da Justiça do dia 07/12/2011).

Para “melhorar” esse panorama, o Supremo Tribunal Federal já foi chamado para decidir a questão e a 2ª Turma, por meio do Ministro Relator Ricardo Lewandowski, “contribuiu”  ao entender que quanto à portaria da PGFN, essa norma infralegal apenas dispõe sobre projeto Grandes Devedores no âmbito da PGFN, conceituando-os com objetivo de estabelecer na secretaria da RF método de cobrança, sem delimitar o grave dano à coletividade. Ficou ali decidido que  juiz deve decidir com sua sensibilidade, estabelecer essa causa de aumento, desde que razoável e proporcional. ( HC. 129.284).

E aqui perguntamos novamente: qual o critério de razoabilidade e proporcionalidade a ser observado?

Conforme se vê, ainda que constatada a tipificação da causa especial de aumento de pena no plano formal, acreditamos que o art.12, inciso I da Lei 8.137/90 deve ser tido como inaplicável, eis que não define com precisão o que vem a ser “grave dano à coletividade” e nem tampouco traz qualquer certeza ao valor de referência para a incidência no caso concreto, agredindo assim o principio basilar da reserva legal.

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