A bizzarra reforma legislativa do crime de roubo.
No final do mês de abril de 2018, ganhou vigência e validade no território nacional a lei 13.654, a qual alterou o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dezembro de 1940 (Código Penal), para dispor sobre os crimes de furto qualificado e de roubo quando envolvam explosivos e do crime de roubo praticado com emprego de arma de fogo ou do qual resulte lesão corporal grave, além de alterar a Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, para obrigar instituições que disponibilizem caixas eletrônicos a instalar equipamentos que inutilizem cédulas de moeda corrente.
Dentre várias alterações, saltou aos olhos a nova (e bizarra!) disciplina referente ao crime de roubo quando cometido com o uso de arma.
A redação do artigo 157 “caput” do Código Penal continua descrevendo a conduta de roubar como sendo “subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”, a qual prevê uma pena de reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
Entretanto, antes das alterações trazidas pela Lei 13.654/18, o legislador entendia que a pessoa condenada pelo crime de roubo deveria sofrer uma pena agravada se a ameaça contra a vítima fosse cometida POR MEIO DE ARMA (art. 157, § 2º, inciso I), senão vejamos: “A pena aumenta-se de um terço até metade: (…)I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;”
A razão do aumento da pena em decorrência do uso de arma se justificava tanto pela maior periculosidade do agente que rouba, quanto pela maior ameaça à integridade física e da própria vida da vítima roubada.
É sabido que antiga redação do artigo 157, § 2º, inciso I do Código Penal tipificava o aumento da pena em razão do “EMPREGO DE ARMA”, a qual deve ser entendida como “…todo instrumento normalmente destinado ao ataque ou defesa (arma própria) como qualquer outro a ser empregado nessas circunstâncias (arma imprópria). As próprias são as armas de fogo ( revólveres, pistolas, fuzis etc.), brancas ( punhais, estiletes etc.) e os explosivos (bombas, granadas etc.). As impróprias são as facas de cozinha, canivetes, barras de ferro, fios de aço etc”. (Julio Fabbrini Mirabete. Código Penal Interpretado, p.981).
Com a publicação da LEI Nº 13.654, DE 23 DE ABRIL DE 2018, essa causa de aumento de pena – USO DE ARMA – foi expressamente revogada em seu art. 4º. Para quem não está acostumado com os termos jurídicos, explicamos: isso significa que o legislador, para não deixar qualquer dúvida de interpretação, deixou avisado lá no final do texto legal que não haverá mais aumento de pena se o roubador usar ARMA no assalto.
Entretanto, o artigo 1º da mesma LEI Nº 13.654, DE 23 DE ABRIL DE 2018, de maneira esquisita e nada explicativa, alterou (ou melhor, retalhou!) o art. 157 do Código Penal, desta vez para acrescentar o § 2º-A, com esta redação: “A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;”
Prestem atenção que com a nova redação do artigo 157, §2º do Código Penal, a qual foi substancialmente alterada pela LEI Nº 13.654, DE 23 DE ABRIL DE 2018, não se utiliza mais da expressão “ARMA” para se agravar a pena e sim “ARMA DE FOGO”
Com toda essa bagunça legislativa, quais as consequências jurídicas?
1ª) A reforma do artigo 157 do Código Penal trata de inovação legislativa mais grave (“lex gravior”) para quem comete crime de ROUBO COM ARMA DE FOGO (“novatio legis in pejus”) porque a fração de aumento de pena é maior em relação àquela anterior, a qual foi expressamente revogada (artigo 157,§ 2º, inciso I), onde deixou de ser 1/3 até e a metade e passou a ser 2/3;
2º) Tratando-se de inovação legislativa agravante, o aumento de pena somente poderá alcançar pessoas acusadas do cometimento de crime após a publicação da LEI Nº 13.654, ou seja, não poderá retroagir para fatos anteriores;
3º) O agravamento da pena no crime de roubo cometido com arma de fogo denota claramente que o legislador se atentou à proteção mais efetiva dos bens jurídicos tutelados na hipótese – vida e integridade física da vítima – logo, o exame pericial do instrumento utilizado no crime deve ser necessário para se atestar a potencialidade lesiva.
4º) Arma de fogo desmuniciada ou quebrada não tem aptidão para lesionar, então não podem ser causa de aumento de pena. Arma de brinquedo não é arma de fogo, logo a sua utilização no crime de roubo, por mais que tenha capacidade de intimidar a vítima, também não poderá ser causa de aumento de pena.
5ª) Somente se agravará a pena no crime de roubo se este for cometido com “arma de fogo”, ou seja, para aquele que cometer o crime se utilizando, por exemplo, de faca, pedra ou barra de ferro, a lei passou a ser mais branda (“novatio legis in mellius”), logo não terá a sua pena agravada porque tal circunstância foi expressamente revogada pelo artigo 4º da LEI Nº 13.654/2018.
6º) Aquelas pessoas que estavam respondendo a processo de roubo à época da publicação da Lei 13.654/2018, ou se foram condenadas, mas com sentença pendente de recurso , ou ainda, se já estão cumprindo pena pelo cometimento crime de roubo com a utilização de arma, a qual NÃO SEJA de “fogo”, poderão solicitar ao juízo competente ou Tribunal, a reforma da acusação ou da própria sentença com a consequente diminuição da pena em razão da “abolitio criminis”.
Como se vê, reforma legislativa que recaiu sobre a disciplina do crime de roubo no Código Penal é bizarra e já esta sendo objeto de muitas críticas e interpelações. A primeira delas é o total paradoxo que envolve a questão da proteção dos bens jurídicos envolvidos – vida e integridade física da vítima. O legislador de maneira atabalhoada aumentou a pena para aquele roubador que comete o crime de roubo se utilizando de arma de fogo, mas, ao mesmo tempo, desconsiderou expressamente o agravamento da pena àquele que se utiliza de outros instrumentos que também possuem capacidade para lesionar e matar (ex. faca e barra de ferro).
Neste sentido, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo já se manifestou sobre a inconstitucionalidade formal do artigo 4º da Lei 13.654/2018 e suspendeu o julgamento de um recurso até que o Órgão Especial da Corte faça o controle difuso. O Desembargador relator Edison Brandão na oportunidade declarou que “Nada mais lógico, e coerente inclusive, com o momento em que o país vive, que o inciso I do parágrafo 2º do artigo 157 do Código Penal continue a ter vigência, sendo absurda a liberação do uso de arma branca, no país que mais se mata com qualquer tipo de arma, em todo mundo” (Processo 0022570-34.2017.8.26.0050).
Da mesma maneira, o Procurador-geral de Justiça de São Paulo, Gianpaolo Smanio, recomendou aos órgãos do Ministério Público paulista que provocassem o Judiciário a declarar a inconstitucionalidade formal da supressão do parágrafo 2º, I, do artigo 157 do Código Penal.
Em nossa opinião, a alteração legislativa promovida pela Lei 13.654/2018 viola também o princípio da isonomia e proporcionalidade da pena, haja vista que o condenado pelo cometimento do crime roubo que se utilizar de uma “arma branca” (ex. faca) e coloca em risco a vida da vítima terá a mesma pena daquele o qual cometeu o crime sem se utilizar de instrumento qualquer, limitando-se a ameaçar verbalmente.
A reforma legislativa em comento também não convence porque cria consequência desigual ao tratar da causa especial de aumento de pena no crime de roubo, mas ignora a causa especial de aumento de pena prevista para crime de extorsão (art. 158, §1º do Código Penal), os quais são delitos patrimoniais “quase irmãos” porque violam os mesmos bens jurídicos e na mesma intensidade, contudo, este continuando prevendo um aumento de pena em razão da utilização de qualquer espécie de arma (e não só de fogo), na fração de apenas um terço até a metade.
Por fim, imaginamos que os juízes não podendo reconhecer a utilização de arma que não seja de fogo na terceira fase da dosimetria da pena, passarão a utilizar as causas judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal para aumentar a pena-base com fundamento no principio da proporcionalidade da pena. Nascera aqui outro problema – possibilidade de imposição do regime inicial fechado em decorrência da interpretação “contrario sensu” da Súmula 440 do STJ – a qual determina a proibição de estabelecimento de regime prisional mais gravoso com base na gravidade abstrata do delito, quando a pena-base é fixada no mínimo legal.
A conclusão não pode ser outra: o Código Penal continua sendo retalhado por meio de péssima qualidade legislativa, fazendo com que o efeito do disparo da arma punitivista não passasse de um “traque” a favor da criminalidade violenta.